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Publicada em: 17/06/2014 13:33 - Atualizada em: 17/06/2014 23:24
Entrevista: Dom Waldemar Chaves de Araújo, por Dieikson de Carvalho
No mês em que o religioso completará 80 anos, ele concedeu uma entrevista ao professor Dieikson de Carvalho, que está sendo publicada, com exclusividade, pelo Jornal de Lavras

Dom Waldemar Chaves de Araújo concedeu entrevista ao professor Dieikson de Carvalho (foto abaixo)

 

Por  Dieikson de Carvalho

Dom Waldemar Chaves de Araújo, Bispo Emérito da Diocese de São João del-Rei, completa no dia 23 de junho, 80 anos de vida. Nascido em 1934, na pequena cidade de Bom Despacho (MG), o menino Waldemar sentiu o chamado para ser sacerdote nos trabalhos desenvolvidos junto a Conferência Vicentina, ajudando o povo mais pobre de sua cidade. Foi Sagrado Bispo em 1990, assumindo a Diocese de Teófilo Otoni, até 1996. Em seguida, foi nomeado Bispo da Diocese de São João del-Rei, permanecendo como Pastor Diocesano até 2010. Quando completados 75 anos de idade, escreveu ao Papa Bento XVI, renunciando o cargo de Bispo titular da Diocese, conforme prevê o Código de Direito Canônico.

Como Bispo Emérito, Dom Waldemar continuava atuante nas celebrações e no seu ardor missionário, porém, no ano passado, ele foi diagnosticado com um tipo de câncer, conhecido como leucemia,

Em sua capela particular, no apartamento alugado em Lavras, onde se hospeda para terminar o seu tratamento de quimioterapia, ele concedeu ao professor Dieikson de Carvalho, essa entrevista, onde eles transformaram em um grande bate papo, uma troca de experiência e um relato de grande parte da sua história de vida pessoal, sacerdotal e episcopal, como também, do processo de cura da sua doença e da expectativa em comemorar os seus 80 anos de vida... Vale a pena conferir.

 

A família sempre foi uma das suas prioridades pastorais. Como era a sua família e qual importância dela em sua vida?

Eu venho de uma família grande. Meus pais, Sudário Gonçalves de Araújo e Maria Felipe do Carmo, eram pessoas muito religiosas e trabalhadoras. Vivíamos na roça e cultivávamos bons e nobres valores. Tive mais cinco irmãos: Desi, Antônio, Antônia, Izabel e Henrique. Nós sempre fomos uma família unida que rezava juntos e buscava cumprir a vontade de Deus.

 

E como surgiu a sua vocação para a vida sacerdotal?

Desde pequeno participava e servia a Igreja como "coroinha", na minha Paróquia, na cidade de Bom Despacho. Mas o meu chamado veio quando meu pai me convidou para participar da Conferência dos Vicentinos. Participando dos trabalhos com os pobres e vendo a espiritualidade que havia por trás daquela obra, resolvi ser padre. A minha vocação se despertou nesse momento, no trabalho com os mais pobres da nossa sociedade. Na hora, meu pai não concordou muito, mas acabou aceitando. E a minha mãe se comprometeu em rezar muito por mim e pela minha vocação.

 

Com que idade você entrou para o Seminário?

Eu entrei no seminário em 1949, com 13 anos de idade. Nesse momento, já havia terminado a Escola Primária e já tinha feito o curso de Admissão para entrar no Seminário. Então, fui para o Seminário da Diocese de Diamantina, para cursar o Ginásio e dar prosseguimento aos estudos sacerdotais: Filosofia e Teologia.

 

O senhor se ordenou em 1962, durante o Concílio do Vaticano II. Como era se tornar sacerdote nesse momento tão decisivo para a Igreja?

Foi uma "aventura" e, ao mesmo tempo, um grande desafio para mim e para todos os padres jovens dessa época. Eu sentia que estava vivenciando um tempo histórico na Igreja e no mundo. O Concílio do Vaticano II nos convidava a um novo jeito de ser, um novo modo de agir como cristão e católico. E, como padre, eu vivi intensamente todas essas transformações nos campos das Pastorais, dos Sacramentos, dos novos Documentos da Igreja e, principalmente, das mudanças ocorridas na Liturgia.

 

Esse foi um dos fatores que o motivou a se especializar em Liturgia Pastoral?

Sem dúvida. Em 1966, o meu Bispo me ofereceu a oportunidade de aperfeiçoar o meu conhecimento através de algumas especializações. Então, fui para a cidade de Bruge, na Bélgica, e lá tive a oportunidade de me especializar em Liturgia Pastoral, Psicologia e Sociologia. Foi um momento muito rico de aprendizado e de experiência religiosa.

 

E qual foi o resultado prático desses estudos na sua ação pastoral?

A experiência tinha sido muito proveitosa e muito rica em vários sentidos, por isso, quando retornei para a minha Diocese de Luz, retomei as atividades que já tinha deixado antes de embarcar para a Bélgica e assumir novos desafios. Entre eles: fui Cura da Catedral de Nossa Senhora da Luz, Coordenador da Pastoral da Diocese, ajudei a fundar e fui por muitos anos Diretor da Faculdade de Ciências Humanas de Luz, Diretor das Obras das Vocações Sacerdotais, Coordenador da Pastoral Catequética, Pastoral Familiar, Vigário Paroquial e Pároco das paróquias de Lagoa da Prata e de Formiga. E em 1978, devido ao meu trabalho pastoral, fui agraciado com o título de Monsenhor.

 

E como foi a experiência e a emoção de ser nomeado Bispo da Igreja Católica?

Foi uma grande emoção, mas no meu caso foi algo diferenciado, uma surpresa inexplicável. Eu recebia algumas cartas do Núncio Apostólico para avaliar alguns nomes de futuros candidatos para o Episcopado, mas não imaginava que o meu nome poderia estar sendo cogitado e avaliado por outros padres. E o Núncio Apostólico me enviou cartas pessoais para anunciar e ver se eu aceitava a nomeação de Bispo, porém, essas cartas foram endereçadas para a paróquia de Lagoa da Prata, pois era o endereço que Núncio tinha; mas eu já estava atuando na Paróquia da cidade de Luz. Então, o meu Bispo me disse que o Núncio Apostólico estava chateado comigo, porque eu não respondia as suas cartas. E eu não sabia de nada (risos). Então, enviei rapidamente um telegrama explicando o mal entendido e pedindo uma entrevista pessoal. Ele me respondeu dizendo que a audiência estava concedida, mas que o Papa João Paulo II já tinha me nomeado Bispo da Diocese de Teófilo Otoni. Aí nem precisava mais da audiência, pois eu já estava nomeado mesmo...

 

A sua Ordenação Episcopal foi bem atípica, não foi?

Foi sim (risos)... Eu me ordenei Bispo na Paróquia de Nossa Senhora do Bom Despacho, minha cidade natal, no dia 03/02/1990. Mas foi em uma situação muito inusitada, pois eu não tinha dinheiro para comprar as vestes e os objetos litúrgicos necessários para a Ordenação. E, naquela época, o presidente Collor tinha confiscado a poupança, onde só se poderia tirar quantidade mínima de dinheiro de cada conta. Eu tinha três contas diferentes, tirei o que podia, mas mesmo assim era muito pouco. Então, fui a São Paulo, comprei uma túnica, uma casula e outros pequenos objetos estritamente necessários para a Ordenação. Ganhei a Mitra e o Báculo de alguns amigos. E no dia da minha Ordenação Episcopal, o Núncio Apostólico perguntou se a minha cruz peitoral era de prata. Eu disse que não, era de lata mesmo, pois não tinha dinheiro para ter uma dessas. Aí ele me disse que o Papa João Paulo II havia me enviado uma cruz peitoral de prata, pois o Santo Padre queria me ordenar em Roma, mas eu havia recusado. Mas se eu não tinha dinheiro suficiente nem para preparar a ordenação aqui, imagina para viajar e ser Ordenado Bispo em Roma? E assim, no meio da correria e das dificuldades econômicas, me tornei Bispo da Igreja Católica com muito amor e devoção.

 

E por falar no Santo João Paulo II, como foi a sua convivência com ele, enquanto Papa da Igreja?

Eu posso afirmar que o Papa João Paulo II foi um amigo íntimo. Eu fiz três visitas pastorais a ele enquanto Bispo de Teófilo Otoni e de São João del-Rei. Em todas as visitas ele foi muito gentil, simpático e carinhoso comigo. Em todas elas ganhei pessoalmente dele uma cruz peitoral. Mas teve uma visita que me marcou muito, porque depois dos compromissos ordinários, ele se reuniu com nós bispos e me pediram para que cantasse para o Papa. Eu cantei algumas canções que sabia que ele gostava e convidei os bispos que estavam presentes a cantarem também. Quando terminei, ele me chamou e veio me dar uma cruz peitoral, quando ele viu que já havia me dado, ele tirou o seu próprio solidéu da cabeça e colocou na minha, como forma de agradecimento. Esse gesto me emocionou muito e eu fiquei extremamente sensibilizado com a sua gentileza e generosidade. Esse solidéu fica em um relicário em minha capela pessoal, na minha residência em São João del-Rei.

 

Qual foi a inspiração para o lema do seu Episcopado?

Quando o Núncio Apostólico disse que eu seria Bispo, decidi fazer um retiro espiritual em uma fazenda, afastado de tudo e de todos para ficar em silêncio e oração. Depois de uma semana de retiro, percebi que a minha vida era fazer a vontade de Deus. Por isso escolhi como lema: "OPORTET OBODIE DEO". Em português significa: "É preciso obedecer a Deus" (At. 5,29).

 

A sua vocação foi despertada no trabalho pastoral voltado para os pobres da Conferência Vicentina, o senhor se ordenou Bispo quase sem ter o necessário e foi nomeado para realizar um trabalho em uma Diocese carente, a de Teófilo Otoni. Isso não pode ter sido só uma coincidência, mas uma grande missão...

Sem dúvida, foi uma missão enorme e muito agraciada pela bondade de Deus. Inclusive, uma missão que guardo na lembrança e no coração, onde o trabalho com os mais pobres impulsionou a minha vida sacerdotal e também episcopal. Recordo do trabalho e do carinho daquele povo sofrido para comigo. Até os índios, os Maxacalis, saíram lá do extremo da Diocese de Teófilo Otoni, na divisa com a Bahia, gastaram um mês viajando para chegar aqui em São João del-Rei, para me visitar. Os grandes amigos e o carinho daquele povo por mim e pelo meu trabalho mostra que tudo foi realmente uma missão que Deus me confiou.

 

O senhor foi nomeado Bispo da Diocese de São João del-Rei em 1996, quais foram os desafios e dificuldades que o senhor encontrou ao chegar aqui?

Eu tive um mês, depois da nomeação, para assumir a Diocese de São João del-Rei. Então, não tive nem tempo de fazer uma visita prévia, quando cheguei já foi para assumir a Diocese. E foi uma experiência bem diferente, porque quando assumi a Diocese de Teófilo Otoni houve uma festa, o povo estava preparado para receber o Bispo. Quando cheguei aqui, na Diocese, só estavam me esperando, na Casa do Bispo, o Monsenhor Juvenal e o Monsenhor Paiva. Fiquei um bom tempo sem carro, pois o Dom Antônio havia vendido o carro para pintar a casa. A partir daí fui traçando o meu trabalho que era conhecer os padres, conhecer o povo, fazer as visitas pastorais às paróquias e iniciar um projeto pastoral que atendesse às necessidades próprias de todo o povo de Deus. Creio que uma das maiores alegrias de um Bispo é ter a graça de ordenar sacerdotes para a Igreja.

 

Quantas ordenações o senhor já celebrou?

Realmente é uma alegria imensa ordenar um padre, pois são através dos sacerdotes que temos a celebração dos Sacramentos, o acompanhamento espiritual do povo e os pastores que Deus escolheu para guiar o seu rebanho. Eu já realizei 32 ordenações sacerdotais. Aqui, na Diocese, ordenei 17.

 

Em 2010, o senhor enviou uma carta o Papa Bento XVI colocando o cargo de Bispo da Diocese de São João del-Rei a disposição. Foi uma decisão difícil?

Não, pois eu já esperava essa decisão por completar os meus 75 anos de idade, conforme prevê o Direito Canônico. Quando cheguei a Roma para a última visita pastoral como Bispo, o Papa Bento XVI, aceitou o meu pedido de renúncia e, ao mesmo tempo, como última missão de Bispo Titular da Diocese de São João del-Rei, me nomeou para celebrar o Sacramento da Crisma em uma Paróquia da Diocese de Roma. Então, para a minha surpresa, o Pároco era um padre brasileiro e a Paróquia era dedicada à Nossa Senhora da Luz. Olha que coisa fantástica: fui ordenado Sacerdote e Bispo na Diocese de Nossa Senhora da Luz e, minha última missão como Bispo Titular, foi celebrar o Sacramento da Crisma, em uma Paróquia em que a Padroeira é Nossa Senhora da Luz, na cidade de Roma, centro da fé cristã católica.

 

Em 2013, o senhor descobriu que estava com leucemia. Como o senhor reagiu a essa situação?

Na verdade, quando a doença se manifestou eu nem imaginei que era um câncer, apenas pensei que tinha chegado à minha hora. Naquele dia, havia cumprido todas as minhas obrigações religiosas, foram várias celebrações. E, após celebrar um casamento em uma capela, tudo escureceu e eu senti que ia desmaiar. Então, pedi ao taxista que me levasse ao Pronto Socorro do Hospital Nossa Senhora das Mercês, em São João del-Rei. Chegando lá já fui internado às pressas e começaram a transfusão de sangue para ver seu eu melhorava. Depois vim transferido para o Hospital de Santa Casa de Misericórdia de Lavras, para dar continuidade ao tratamento, pois aqui tem um médico, Dr. Luciano, especializado em hematologista. Mas foi engraçado, porque quando cheguei à Santa Casa eu vi meus amigos e parentes chorando, eu não entendia, só pensei: "meu Deus, eu estou morrendo..." Foi aqui em Lavras que o médico diagnosticou que se tratava de uma leucemia. Foi aqui que descobri que eu tinha um câncer.

 

E como tem sido esse tratamento que, graças a Deus, já está em seu final?

As duas primeiras sessões de quimioterapia eu fiz em Belo Horizonte. Aí começou o meu calvário. O tratamento é dificílimo, a quimioterapia acaba com a gente. A gente perde as forças, perde os cabelos, não se alimenta direito, não tem forças nem para caminhar. Eu tinha medo de me olhar no espelho e ver um cadáver vivo. Foi o momento mais difícil para mim. Depois, os médicos que me acompanhavam acharam melhor continuar o tratamento aqui em Lavras. Aí, apesar de todas as dificuldades, a situação ficou bem melhor. Estou na última etapa do tratamento e a recuperação está acontecendo da melhor maneira possível, com a graça de Deus, a competência dos médicos, a força da família, a oração do clero e a intercessão do povo de Deus.

 

E para o senhor essa cura se trata de um milagre?

Sim, eu acredito muito nisso. Agradeço em primeiro lugar a Deus, principalmente, pela intercessão de Nossa Senhora das Graças e da Beata Nhá Chica. É um milagre do qual eu não esperava receber. Inclusive, a minha sobrinha, Márcia, fará um relatório, juntamente com os médicos que me acompanham, para enviarmos à Sagrada Congregação das Causas dos Santos, em favor de Nhá Chica, porque foi através dela que pedi a Deus a graça dessa cura.

 

O senhor completa no dia 23 de junho, 80 anos de vida. Qual a emoção de celebrar essa data nesse momento que sintetiza a dor e a vitória em sua vida pessoal?

É uma alegria muito grande. O carinho, o amor e atenção da minha família, dos padres das Dioceses, dos meus amigos mais íntimos e do povo de Deus em geral são muito gratificantes. Só tenho que agradecer a Deus por ter me dado à graça de servi-lo no sacerdócio e no episcopado, sempre tentando fazer a Sua vontade, conforme o meu lema episcopal. Agradeço ao povo de Lavras que me recebeu com muito carinho e me acolheu nesse momento com suas orações e preces... Que Deus abençoe a cada um de vocês!

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