Única fotografia do carrasco Fortunato José, em seu leito de morte na cadeia de Ouro Preto (Foto: Arquivo Público Mineiro)
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No sábado, dia 26 de setembro, o jornal Estado de Minas trouxe uma matéria interessante sobre Lavras, sobre a história de Lavras. Ela narra a vida e o obra de um homem que nasceu em Lavras e morreu em Ouro Preto, ele se tornou conhecido em toda Minas Gerais pelos seus feitos, porém, eles não honram a cidade, sua história é tenebrosa, sanguinária, é a história do escravo Fortunato José, um escravo que trocou sua pena de morte por prisão perpétua, porém, com a condição de "servir" o Império do Brasil.
Fortunato José era funcionário público, ele era o carrasco oficial de Minas Gerais, um cargo que trocou pela sentença de galés perpétua e ser o matador oficial. No dia 22 de junho de 1835, o escravo foi transferido da Vila de Lavras para a cadeia de São João del-Rei, posteriormente para a cadeia de Ouro Preto. Acusado da morte de sua senhora, a viúva Custódia Paiva, foi julgado e condenado à morte, mas teve sua pena comutada em prisão perpétua mediante o compromisso de servir de carrasco do Império do Brasil; profissão que exerceu por 44 anos em 29 localidades mineiras e 2 cariocas.
Algoz de 87 execuções por enforcamento, iniciou sua carreira com 25 anos e encerrou em 1874, quando em Minas Gerais aboliu-se a pena capital. Fortunato José acabou seus dias na cadeia de Ouro Preto; há entre os historiadores, divergências quanto a data de sua morte, uns mencionam o ano de 1877 e outros o de 1884. Assim definiu um jornalista da "Gazeta de Notícias", do Rio de Janeiro, quanto a dúvida da data de sua morte: "Não importa a data. Deus o mandou embora".
Em Lavras aconteceu um enforcamento, isso foi no dia 26 de junho de 1839, neste dia o réu Joaquim Congo, escravo pertencente à herança de José Pimenta, de 28 anos de idade, foi enforcado, sendo esta a única execução acontecida em nossa, no alto da Pedreira, onde hoje se localiza um cruzeiro.
Na manhã do dia 5 de dezembro de 1838, o fazendeiro José Pimenta castigou severamente o seu escravo Joaquim Congo, por não achar seus serviços satisfatórios.
Na tarde do mesmo dia, o escravo aproveitando um momento de descuido de seu senhor, desferiu com o olho da enxada em que trabalhava uma forte pancada em sua cabeça; não se contentando continuou a bater até desfigurar sua vítima. Mais tarde foi capturado e conduzido à cadeia, sendo entregue à guarda e responsabilidade do carcereiro Jerônymo Francisco Guimarães. Joaquim Congo aguardou mais 6 meses na cadeia até ser executado.
Não parece ter sido o temível carrasco Fortunato José o executor da sentença máxima cumprida na Vila de Lavras. Em documentos do Arquivo Público Mineiro, onde o algoz enumera uma folha repleta de serviços prestados à justiça dos homens, relatando os locais de suas 87 execuções, em momento algum menciona Lavras como cidade em que prestou serviço e sim, como sua terra natal. O mais provável é que o executor de Joaquim Congo tenha sido Antônio Resende, carrasco que residia em São João del-Rei e que, eventualmente substituía Fortunato José, o "medonho algoz", como era conhecido por todo Império.
A matéria do jornal Estado de Minas está publicada na íntegra abaixo, confira.
Conheça a saga de Fortunato, o escravo carrasco do Brasil Império
Após matar proprietária de terras, jovem tem a pena de morte trocada por prestação de serviço de algoz no Brasil Império. Ele enforcou 87 pessoas e não obteve o sonhado perdão
A história é manchada de sangue, mas é a nossa história. Corria algum dia de 1884 quando o homem de 73 anos que estava atrás das grades na cadeia de Ouro Preto, onde hoje funciona o Museu da Inconfidência, fechou os olhos para sempre. Seu último suspiro levou consigo as lembranças das 87 vidas que ele executou, a mando de autoridades do Brasil Império (1822-1889), em forcas espalhadas por 29 cidades de Minas Gerais e em duas do Rio de Janeiro. Essa foi a saga do negro Fortunato José, o escravo que virou um dos principais carrascos do país.
Fortunato nasceu num lugarejo que hoje é a cidade de Lavras, no Sul do estado. Aos 22 anos, viciado em bebida e jogatina, foi advertido por dona Custódia, a viúva do fazendeiro João de Paiva, dono da propriedade onde o então jovem veio ao mundo. Irritado com a repreensão, tirou a vida da senhora com uma porretada na cabeça. O crime ganhou repercussão e o rapaz foi condenado à morte. Sua vida seria ceifada na forca.
Por ironia, o algoz que deveria cumprir a ordem havia morrido. E as autoridades fizeram uma proposta a Fortunato: sua pena seria comutada para a de prisão perpétua em troca de ele virar "o dono" da forca. Quem explica é o pesquisador Marco Antônio Faria: "Teve a pena comutada com a condição de exercer a função de carrasco, pois o 'titular' havia falecido".
E foi assim que o então jovem, ávido por álcool, começou a percorrer o estado para ceifar a vida dos condenados. O carrasco tinha a expectativa de um dia receber o perdão do governo e se tornar um homem livre. Sua primeira execução ocorreu no Natal de 1833. Tirou a vida de um escravo. Na mesma data, enforcou o segundo. Na lista de mortos, há negros e brancos, homens e mulheres.
Historiadores contam que a imagem de pessoas dependuradas no laço o perseguiu até a própria morte. Talvez fosse para amenizar essa dor que Fortunato costumava dizer que era funcionário público. "Ele falava sempre, em seu linguajar sem cultura, da sua 'profissão', à qual ele denominava de emprego público mal remunerado", completou Barrica, pesquisador-membro do Instituto Histórico de Pitangui (IHP), onde o carrasco levou dois homens à forca.
Também foi nessa cidade do Centro-Oeste mineiro, elevada à condição de vila em 1715 e a 130 quilômetros de Belo Horizonte, que o algoz, por pouco, não foi assassinado. Fortunato tinha o hábito de dormir a noite anterior à execução na mesma cela que o condenado à forca. Em 21 de setembro de 1838, ele adormeceu ao lado do escravo Ignácio Cassange, cuja pena de morte estava prevista para a manhã seguinte.
A morte programada do condenado era aguardada por uma multidão, pois seria a inauguração da forca, erguida no Morro das Cavalhadas, atrás da atual capela de São Francisco de Assis, erguida no século 19. A execução deveria ocorrer às 9h de 22 de setembro de 1838. Na noite anterior, o algoz decidiu cumprir o ritual de dormir na mesma cela que a vítima. Na madrugada, porém, Fortunato acordou com o corpo ensanguentado. O escravo havia lhe desferido golpes de navalha em todo o corpo. Socorrido, o carrasco foi internado.
Passou dias num leito. Sobreviveu para continuar sua saga, mas não executou Ignácio, que foi enforcado por outro algoz na vila de Sabarabuçu, atual Sabará. A partir de então, descartou a possibilidade de pernoitar ao lado de condenados. As cicatrizes pelo corpo o faziam lembrar daquela noite.
"Foi alvo do espírito revoltoso de um pitanguiense, que, dono de instinto assassino, se valeu da oportunidade para impedir – ou pelo menos postergar – seu triste fim. Em outras vilas, a prática de se confinar vítima e executor num único espaço se mostrou desprovida de maiores consequências. Já em Pitangui, terra de 'matadores insignes' e 'homens régulos', como definiu o governador da época, os papéis não se inverteram por pouco. Quase que o algoz passa a ser vítima de sua presa", disse o pesquisador Vandeir Santos, também do IHP.
A fama de Fortunato – embora triste – foi tamanha, que ele foi fotografado numa época em que poucas personalidades tiveram a imagem registrada por uma câmera. O algoz foi registrado, já enfraquecido, numa cama na cela de Ouro Preto. Ele também foi tema de reportagem do extinto periódico Mosaico Ouro-Pretano.
A matéria foi publicada em 17 de julho de 1877. O veículo informou que Fortunato, "admoestado (repreendido) frequentemente, mas com brandura, por sua senhora (dona Custódia, a viúva do fazendeiro), criou-lhe ódio e, um dia, enfurecido, prostrou-a morta com uma bordoada certeira. Foi isto em 1833: tinha então 22 anos o miserável, predestinado a vida medonha e abominável".
A última execução do carrasco ocorreu em 1874, quando a pena de morte na forca foi extinta no Brasil. Fortunato não obteve o sonhado perdão pela morte de dona Custódia. Passou os últimos anos de sua vida na cela em Ouro Preto.
Paulo Henrique Lobato /Enviado Especial
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